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movimento estudantil

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O movimento estudantil e a luta de classes







Haldor Omar - professor@omar.bio.br   
Sáb, 16 de Fevereiro de 2008 11:01
I - O MOVIMENTO ESTUDANTIL E A REVOLUÇÃO
Localizar o papel que cumpre o movimento estudantil no processo revolucionário requer que aprofundemos nossa compreensão das causas estruturais e das tendências dos fenômenos políticos e econômicos do sistema capitalista mundial.
01. Para que se possa posicionar que papel histórico poderá ser desempenhado por qualquer classe, setor ou camada social numa determinada sociedade, é preciso antes compreender que lugar ocupa esta classe, setor ou camada na organização de sua economia. Os estudantes, que se caracterizam especificamente pela atividade intelectual que exercem, fazem parte de um setor social - a intelectualidade - que não constitui uma classe por si, já que não ocupa uma posição própria no sistema de relações de produção.
02. E que relação há entre a intelectualidade e as classes sociais? Gramsci afirmava que "cada grupo social, nascendo de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si uma ou mais camadas (de intelectuais) que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político". Dessa forma, podemos distinguir dois tipos de intelectuais: os vinculados à classe dominante, que cumprem a função social de organizar política, econômica e ideologicamente a velha sociedade em declínio; e aqueles que emergem junto ao proletariado, refletindo nos campos da ciência e da ideologia os interesses históricos dessa classe, cumprindo o papel de organizá-la, educá-la e discipliná-la para a conquista do poder político e na execução de suas tarefas revolucionárias.
03. Como, em parte, já vimos na tese 01, o intelectual não possui ser de classe em si. Além do fato de ele não ocupar posição própria no sistema de relações de produção, o objeto de sua atividade - a teoria - possui uma relativa autonomia diante do sistema econômico. Adolfo Sanchez Vazquez, na sua "Filosofia da Práxis", alerta: "A prática mantém sua primazia em relação à teoria, sem que tal primazia dissolva a teoria na prática nem a prática na teoria. Por manterem uma e outra relação de unidade, e não de identidade, a teoria pode gozar de uma certa autonomia em relação às necessidades práticas, mas de uma autonomia relativa, porquanto, como vimos insistindo, o papel determinante corresponde à prática como fundamento, critério de verdade e finalidade da teoria".
O que quisemos demonstrar é que a intelectualidade, mais que qualquer outro ser social, possui relativa autonomia diante da realidade pré-existente. Apresenta-se-lhes duas possibilidades: vincular sua atividade intelectual à revolução proletária ou à manutenção da ordem. Só que, entre o intelectual e a efetivação de uma das possibilidades que se lhe apresentam, existem três condicionamentos: atração da burguesia, repulsão da burguesia e atração do proletariado.
ATRAÇÃO DA BURGUESIA - o intelectual liga-se à classe dominante normalmente por conta de sua origem social, pela sua própria formação e porque esta classe detém as condições de lhe proporcionar os meios materiais para adquirir e desenvolver sua formação intelectual e profissional.
REPULSÃO DA BURGUESIA - com o agravamento da contradição RELAÇÕES DE PRODUÇÃO X FORÇAS PRODUTIVAS, a ordem burguesa torna-se um entrave ao desenvolvimento das forças produtivas da humanidade, das quais a ciência é parte integrante. Dessa forma, os interesses de classe da burguesia não satisfazem mais às necessidades específicas de conhecimento da realidade que têm os intelectuais. Como a burguesia, limitada por seus interesses, não consegue mais desenvolver a economia (as contradições do modo de produção capitalista lhe aprisionam numa crise insolúvel), não pode, portanto, impulsionar o conhecimento humano - na extensão das necessidades da humanidade - sobre a natureza e a vida social. No Brasil, o entrave imposto às forças produtivas pelas relações de produção, se materializa na dependência técnico-científico.
ATRAÇÃO DO PROLETARIADO - cada novo modo de produção, ao substituir o anterior, cria campo e possibilidade fundamentalmente novas para o crescimento das forças produtivas da sociedade. Assim, ao cumprir sua missão histórica de superar a contradição fundamental do capitalismo (produção social X apropriação individual), o proletariado impulsiona o desenvolvimento das forças produtivas, fazendo necessário uma sistematização mais ampla e profunda da realidade (natureza e sociedade). É isto que fundamentalmente atrai a intelectualidade para o campo da revolução, porque vê nela a possibilidade de desenvolver de forma livre e criadora suas aptidões. Naturalmente que, durante maior ascenso da luta de classes é também maior a atração do proletariado sobre a intelectualidade.
Uma observação que se faz necessária é que entre a repulsão da burguesia e a atração do proletariado há um limite fluido, como há entre a NEGAÇÃO e a AFIRMAÇÃO. São, portanto, instantes diferenciados e próximos de um mesmo processo. Segundo Lenin: "Nossos estudantes não poderiam estar agrupados de outra maneira porque são parte dos intelectuais que reagem mais vivamente, e os intelectuais devem precisamente o nome de intelectuais ao fato de refletirem e exprimirem mais conscientemente, mais resolutamente e mais fielmente o desenvolvimento dos interesses de classe e dos agrupamentos políticos de toda a sociedade".
04. O movimento estudantil caracteriza-se fundamentalmente como um movimento organizado de uma importante e ativa parcela da sociedade, a intelectualidade. O que, principalmente, liga o conjunto dos estudantes entre si é a atividade intelectual que exercem em comum. É sob este prisma que os marxistas devem encarar sua atuação no Movimento Estudantil. Como Lenin assinalou, devemos procurar a explicação para as tendências políticas "inovadoras" dos estudantes nas "condições reais da vida social" e não no "desinteresse e a pureza de intenções, a força das motivações idealistas da juventude". São nas condições reais da vida social que se verifica uma contradição indissolúvel entre o poder do capital e as outras camadas, muito vastas e heterogêneas, da população.
05. Historicamente, é colocado para o ME uma divisão política clara em alguns grupos, quais sejam:
a) A MASSA INDIFERENTE;
b) OS ACADEMICISTAS - preocupados exclusivamente com atividades na esfera acadêmica;
c) OS REACIONÁRIOS - contra qualquer tipo de movimento e organização;
d) OS MILITANTES - neste campo encontramos várias matizes de revolucionários e reformistas.
Não poderia ser diferente a realidade do movimento estudantil; afinal, pelo mecanismo da luta de classes, já mostrado no campo da luta teórica, os estudantes tendem a assumir posições de classes diferenciadas - a divisão política dos estudantes reflete sempre a divisão política que se verifica na sociedade. Nosso dever é lutar para que fique cada vez mais delimitado e consciente tal divisão. "A divisão de classes é sempre a base mais profunda do surgimento de grupos. Esta base só fica mais às claras quando se aprofunda a luta de classes" - Lenin.
06. Engels nos alertava de que a luta de classes, pela complexidade que assume, dá-se em três campos: o econômico, o político e o ideológico (teórico). Nenhum desses campos pode ser, em qualquer momento, subestimado ou absolutizado, exercendo no seu conjunto papel fundamental na conquista do lugar de vanguarda que cabe à classe trabalhadora diante de outras classes e setores sociais progressistas. É neste sentido que encaramos o ME como um movimento que se coloca como campo privilegiado para a luta teórica. Não podemos, no entanto, absolutizar esta questão. A contradição mais geral que há entre a intelectualidade e a classe dominante (a "repulsão da burguesia") se materializa nesta parcela específica da intelectualidade - os estudantes - na incapacidade crescente do capitalismo de conter o desemprego e manter a Universidade (repassar o conhecimento e criar novos), por um lado, e a resistência do Movimento Estudantil, por outro. Assim, o trabalho entre os estudantes assume também um caráter de movimento de massa. Sobre essa questão, Lenin assim resumia o ponto de vista marxista acerca do movimento estudantil: "Em primeiro lugar, difusão das idéias socialistas entre os estudantes e luta contra as opiniões que, ainda que tenham o nome de "socialistas-revolucionárias", nada têm de comuns com o socialismo revolucionário. Em segundo lugar, vontade de alargar, de tornar mais consciente e mais determinado todo o movimento democrático, incluindo o movimento estudantil academista, no seio dos estudantes".
07. O movimento estudantil cumpre na revolução importante papel, a partir de três aspectos:
- Em primeiro lugar é preciso compreender que no ME, são particularmente fluidas as fronteiras entre as lutas econômica, política e ideológica;
- O ME, a partir da intervenção correta dos marxistas nele, cumpre papel na disputa dos intelectuais com a burguesia, vinculado-os às lutas do proletariado;
- Divulgar e debater o marxismo e aprofundar a luta ideológica;
- Criar um poderoso movimento de massas e levá-lo ao confronto com a ordem política e econômica burguesa a partir do combate ao desemprego, à exclusão e à política educacional do capital.
II - UNIVERSIDADE E A LUTA DE CLASSES
Identificando o ME como um setor organizado que tem como característica específica a atividade intelectual (tendo como principal tarefa diante da revolução a luta ideológica) e de um grande potencial de luta política e econômica, cabe-nos agora identificar precisamente o campo específico no qual isso ocorre, suas possibilidades e limites: a Universidade.
08. A toda formação socioeconômica é necessária a reprodução das forças produtivas e das relações de produção. Trata-se da própria reprodução da formação social.
Quanto às forças produtivas (meios de produção e força de trabalho), verificamos que, por um lado, os meios de produção têm sua reprodução garantida pelo próprio processo de produção; a força de trabalho, por outro lado, tem sua reprodução garantida fundamentalmente fora do processo produtivo, assegurada materialmente através do salário. O salário, assim, torna-se indispensável à reconstituição das energias gastas pelo operário (comer, vestir, morar, voltar no dia seguinte à fábrica) e a própria reprodução da espécie (alimentação e educação dos filhos), através da qual o proletário se reproduz como força de trabalho.
09. Em 1890, numa carta à Joseph Bloch, Engels afirmava que "... segundo a concepção materialista da história, o momento em última instância, determinante, na história, é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx nem eu alguma vez afirmamos mais. Se agora alguém torce isso (afirmando) que o momento econômico é o único determinante, transforma aquela proposição numa frase que não diz nada, abstrata, absurda. A situação econômica é a base, mas os diversos momentos da superestrutura - formas políticas da luta de classes e seus resultados - exercem também a sua influência sobre o curso da luta histórica determinando, em muitos casos predominantemente, a forma delas. Há uma ação recíproca de todos os momentos".
Notamos aqui que:
a) a base econômica determina em última instância a superestrutura. "A formação material dominante vem a ser a formação espiritual dominante";
b) existe uma relativa autonomia da superestrutura; e que esta realiza uma ação de retorno sobre o seu determinante material, a base econômica.
10. A reprodução das relações de produção é a reprodução constante do trabalhador como proletário (ou seja, sua qualificação técnica e sua educação para a aceitação do "status quo") e a do seu antagônico de classe (ou seja, a qualificação do empresário para administrar, planejar, pensar a produção etc., e sua capacitação ideológica para a defesa da ordem, a consciência de classe).
Se é verdade que as relações de produção são parte constituinte da infra-estrutura da sociedade, da mesma forma a reprodução das relações de produção, ocorrem em grande parte na superestrutura. Embora a reprodução das relações de produção se dê principalmente na infra-estrutura, é esta função mesma que justifica a superestrutura. Insistindo: a superestrutura deve ser pensada a partir da sua função principal de reprodução das relações de produção.
Numa sociedade de classes antagônicas, em que essas "travam uma luta ininterrupa, umas vezes oculta, aberta outras", como afirma Marx no Manifesto, as relações de produção não ocorrem sem conflitos. Isso determina que a reprodução das relações de produção ocorra também conflituosamente. Assim, os campos onde se dão a reprodução das relações de produção (a infra-estrutura e a superestrutura) são campos de contradição, de luta de classes.
11. A Universidade vem a ser um instrumento de reprodução da força de trabalho e das relações de produção. É uma instituição burguesa (no sentido de que serve hegemonicamente aos interesses da burguesia) que prepara os homens necessários (de diversos níveis: administradores, economistas, funcionários médios etc.) tanto na qualificação técnica como na ideológica. Ela concorre não só pra isso, como também para a formação dos agentes da repressão (os futuros homens de estado, os dirigentes políticos etc.) e os profissionais da ideologia (os educadores, filósofos, cientistas sociais etc.).
12. As relações de produção que são reproduzidas na Universidade são, como pode parecer óbvio, as relações de produção que objetivamente já existem como economicamente dominantes. No entanto, a existência de qualquer relação de produção não garante por si só a sua reprodução. É necessário, portanto, que a classe que se coloca como economicamente dominante (graças à própria predominância de tais relações de produção), possuindo o poder de Estado, dirija o conjunto dos aparelhos de Estado (a partir do aparelho repressivo) para que essas relações de produção possam ser reproduzidas e - como é o caso da Universidade - se crie condições para que a própria reprodução tenha continuidade.
A Revolução é então o momento em que, a partir das contradições objetivamente acumuladas no modo de produção, a classe social e seus aliados, que têm interesses em transformar as relações de produção, toma o poder de Estado e impede a reprodução das relações de produção até então dominantes, impondo as transformações na infra e na superestrutura necessárias para isso.
13. A Universidade - por reproduzir as condições necessárias à reprodução das relações de produção - aparece, assim, dialeticamente, como um campo privilegiado da luta ideológica, no qual os seus espaços de contradição possibilitam a difusão ampla das idéias marxistas e a possibilidade de acúmulo político-ideológico não só para a tomada do poder pela classe trabalhadora, como também para a construção e organização do socialismo.
(*) Adaptado a partir de um documento do extinto PLP - Partido da Libertação Proletária.
Haldor Omar
professor@omar.bio.br
Executiva Municipal do PSOL – São Bernardo do Campo

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